quinta-feira, 22 de março de 2012

Não a Nós

Raspei minha espada no chão da entrada da capela formando o sinal da cruz, orando por proteção. Caminhei até o altar, ajoelhei-me e rezei brevemente. Ao meu redor, meus irmãos estavam sentados em suas fileiras, de mãos dadas, olhos fechados e respiração sincronizada. Pacientemente, todos aguardavam pelas minhas palavras. Uma missão de extrema delicadeza: orar mensagens de coragem, valor, honradez, dignidade e paz. Todos fomos treinados para ter todas estas virtudes em cada gesto de nossas vidas, desde os simplórios até aos mártires. Mas, aquele não era um dia simplório. Era um dia em que todos nós necessitávamos de força. Um dia em que todos nós necessitávamos estar na mais pura comunhão com nosso Deus, pois é pela vontade Dele que nos guiamos.

Fechei os olhos para acompanhar meus irmãos. Concentrei-me em equilibrar minha respiração com a deles. Apertei o cabo de minha espada em meu peito, repousando minha face na área plana de sua lâmina. Respiramos mais uma vez, como um só indivíduo. Então, deixei a voz de meu Senhor falar através de minha boca:

- Pensem, por um instante, em todos os ensinamentos de nossa ordem... Agora, esqueçam tudo. Nossas almas devem seguir nossas virtudes como nossos corpos seguem nossas respirações. Enquanto pensarmos ou calcularmos, estaremos sujeitos a falhas, pois somos mortais. Nossas virtudes devem fluir de nossos inconscientes, de forma natural, espontânea, como nossas respirações.

"Enquanto tivermos espíritos virtuosos e mentes equilibradas, continuaremos nossa missão de proteger, zelar e purificar este mundo. Nossos espíritos e nossas mentes são a base de nossas ações e é com nossas ações que transformamos o mundo. Sendo fiéis a este ideal, criaremos um mundo virtuoso e equilibrado.

Lutemos com armas, mas nunca nos esqueçamos do amor. Em casos de necessidade, usamos a violência, mas não é por violência que erguemos nossas armas. Erguemos nossas armas por amor. Amor ao nosso povo, amor a nossa pátria, amor as nossas famílias, amor aos nossos irmãos de ordem e amor ao nosso Deus. É graças ao amor Dele que estamos aqui hoje e através do amor Dele que baseamos cada uma de nossas ações.

Reverenciemos nosso Pai e respeitemos as crenças alheias. É o respeito por nossos diferentes que nos diferencia dos bárbaros. Mas até os bárbaros possuem suas crenças e seus panteões. Cada sociedade guarda, em sua raiz, uma centelha divina. Essa é a prova de que, querendo, todos podemos nos tornar melhores. Apenas sendo fiéis ao nosso Deus e empunhando a espada com a qual Ele nos presenteou estaremos, de verdade, na nossa jornada para um mundo melhor.

Desejemos o melhor para nossos inimigos. Que nada lhes falte e nem para seus familiares. Que se estenda uma longa mesa de banquete, farta de alimentos para que possamos resolver nossas discordâncias de forma civilizada. Que possamos, no final, brindar um cálice transbordante de paz e, se possível, aliança.

Mas que nenhuma aliança seja mais poderosa do que a aliança entre nossos irmãos. O nosso maior segredo é a nossa união. Não chamamos uns aos outros de irmãos por palavras vazias. Chamamos-nos de irmãos por sabermos que sempre que uma espada se levantar contra nós, um escudo se erguerá em nossa defesa. Chamamos-nos de irmãos por sabermos que nenhum de nós nunca estará sozinho e que por mais que estivermos distantes, ainda estaremos lutando juntos. Chamamos-nos de irmãos por nunca nos esquecermos de que a nossa arma mais importante não é a nossa espada e que nosso símbolo mais heróico não é o nosso estandarte, mas sim, que nossa maior arma e o nosso maior símbolo é o nosso escudo. Escudo que erguemos um para o outro, agora e sempre.

Fizemos nossos juramentos ajoelhados diante do santo altar e é diante dele que rezamos todos os dias, sete vezes ao dia, em homenagem ao nosso Pai. Ao longo de nossas rezas, lembramos de cada um de nossos juramentos. Lembramos a importância que é repeti-los ao longo do dia. Lembramos a importância de sermos fiéis à nossas palavras, aos nossos irmãos e ao nosso Deus. Uma palavra pode ser mais poderosa do que mil ações. Nossas armas e nossos escudos devem agir em prol de nossas promessas, nunca o contrário.

Devemos sempre nos lembrar da misericórdia e da compaixão de nosso Pai. Devemos lembrar que qualquer excesso nos levará à ruína e manchará nossa honra. E mais importante do que nos mantermos dissipados dos vícios materiais, devemos manter nossas intenções dissipadas de qualquer essência mesquinha ou vil. Nenhuma ação é em nome de nosso Deus se ela não for pura e sincera. Nossas intenções são como sementes: elas devem ser fortes, sadias e limpas para poderem gerar bons frutos.

Mas, apesar de toda a nossa bondade, todo o nosso amor e toda a nossa pureza, não podemos nos esquecer de que somos cavaleiros. Nascemos para lutar contra todo e qualquer ato que ameace nossas virtudes. Seja através da diplomacia ou da lâmina, nosso dever é defender nossas famílias e nossa pátria, em nome de nosso Deus. Não é com ódio e intolerância que conquistaremos um mundo melhor, e sim com trabalho constante e contínuo. Escolhemos viver assim. Escolhemos nos sacrificar por aqueles que precisam de nós. Pois disse o Senhor de Todos os Exércitos: “Onde dois ou mais estiverem reunidos em Meu nome, ali estarei Eu.”

Abri meus olhos para observar o altar mais uma vez. Respiramos mais uma vez. Ouvi, ao longe, os tambores rufando. A guerra estava para começar e era nosso dever proteger nosso povo.

- Abram seus olhos, meus irmãos... É hora de lutarmos.

Lentamente, um por um, abriram os olhos, respiraram serenamente e levantaram-se. Juntos, olhamos uma última vez para o santo altar, para o símbolo de nossa fé. Humildemente, fizemos o sinal da cruz em nossas faces e pronunciamos ao mesmo tempo:

- Não a nós...

3 comentários:

  1. Um dos melhores que já li. Vívido...me levou para dentro da capela.

    Parabéns...de novo e sempre né.
    Beijo Be.

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  2. Lindo, lindo, lindo !
    Além de ser lindo, ele tem o poder nos colocar diante do altar, no templo, em meio aos irmãos... Tem o potencial de nos fazer ver toda aquela ação, como se fossemos espectadores
    Muito bom
    Meus parabéns
    Muito sucesso, Bê

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  3. Mandou bem, Lancelote

    Non Nobis...

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