sábado, 31 de março de 2012

Prólogo: Neve

A família Bjorn é uma família vassala dos Stark, seu brasão é um javali, suas cores são o azul e o negro e sua lealdade é impecável. Servos e aliados, os Bjorn seguem fielmente as tradições e leis dos Stark e protegem seu território ferozmente. Assim como a casa patrona, nunca adotaram um lema oficial, se valendo das palavras do norte: "o inverno está para chegar". Os membros da família possuem o queixo e o nariz volumosos e espaçosos, como quase todos os nortenhos, um corpo não muito largo, mas robusto e definido, apenas um pouco mais alto do que os sulistas. Possuem personalidade bélica, mas não agressiva e descontrolada. Postura marcial e militar, mas não soberba. Lado a lado, um Bjorn e um Stark são nitidamente diferentes, apesar de que aqueles que só os conhecem pelas histórias e pelos boatos poderiam confundi-los. 

O herdeiro, Arthur Bjorn, ainda era jovem naquela época, mas já era praticamente um veterano em combate e em administração de suas terras. Mais de um metro e oitenta de altura, barba curta, densa e negra, olhos escuros e resolutos e quase cem quilos de músculos, cicatrizes e vitórias em campos de batalha. Seu pai o treinara desde cedo, impondo a ele uma disciplina rigorosa e violenta. O resultado não poderia ser outro: Arthur, aos dezenove anos, era um guerreiro valoroso e um líder perspicaz, já havia conhecido o campo de batalha e já provara seu valor de comandante. 

Respeitada pelos demais vassalos dos Stark, a casa Bjorn tinha muitos motivos para comemorar, mas aquele não era um dia de festas. Muito pelo contrário, provavelmente era um dos piores dias da vida de alguns membros daquela família. Uma criança estava para nascer. Senhorita Beatriz Bjorn, irmã de Arthur, estava dando a luz naquele exato momento. O único problema era que ninguém sabia quem era o pai. 

Tudo indicava um mau agouro. Era uma noite de inverno sem tempestade de neve. Nenhum mínimo floco caia e até as estrelas haviam se escondido. As ruas estavam recheadas de geada e o céu estava negro como um vácuo sufocante. Pelos salões, corredores e quartos do castelo, nada se falava. Todos pensativos, todos instigados. Todos quase de luto. Quase, pois a criança ainda não havia nascido. A honra de Beatriz fora se esvaindo conforme sua barriga fora aumentando e só faltava a criança sair para que toda e qualquer dignidade fosse assassinada de vez. E todos queriam saber ou ao menos ter uma mínima pista de quem era o pai do bastardo. Todos estavam em silêncio, mas a casa inteira parecia berrar. Na verdade, uma pessoa fazia barulho por todos. Beatriz estava sofrendo em seu parto.
Ela havia sido uma jovem promissora. Casá-la não seria difícil e isso seria excelente para fortificar uma aliança entre famílias - falavam até em arranjá-la com um Stark. Jovem, esbelta, sorridente, radiante. Sua pele fora clara como a neve, apenas as maçãs do rosto levemente rosadas, olhos castanho-claros, cabelos ondulados e levemente avermelhados. Por acaso ou não, nada disso havia sobrevivido à gravidez. Todos sussurravam que o bebê estava se alimentando da beleza e do magnetismo da mãe. A cada mês, um pouco dela parecia morrer, e, no final da gestação, poucos ainda se lembravam da beleza do seu sorriso e da vibração do seu olhar. E ela berrava. 

- E se ela morrer no parto? – perguntou a irmã caçula de Beatriz, temerosa. 

- Que morra, ela já não vive há nove meses mesmo! – respondeu rispidamente o primo das meninas, transbordando sua decepção. 

- Não, ela vai viver. Vai viver e vai dizer quem foi o desgraçado que botou aquela criança nela! – rosnou Arthur, entre os dentes. 

Enquanto todos se lamentavam silenciosamente em meio a sinfonia de urros de Beatriz, Arthur marchava de um lado para o outro, parecendo preparado para entrar numa guerra. Nitidamente transtornado, desejava torcer o pescoço do homem que desonrara sua irmã e fugira como se ela fosse uma meretriz. Arthur a chamara por esta mesma alcunha algumas vezes, pois também não a perdoara. 

Berros, grunhidos e urros. Era inacreditável a potência da garganta de uma mulher dando a luz. Já fazia três horas que o trabalho de parto havia começado e Beatriz rasgava sua traquéia por dentro impiedosamente enquanto lutava para expelir seu filho inglório.
Os servos meramente fingiam que trabalhavam ou se escondiam assustados em algum cômodo qualquer. A família se perdia em universos próprios com os olhos mirando qualquer armário, carpete ou lustre, cada um digerindo um impropério internamente contra a jovem mãe, ou a própria casa, ou ao mundo. Nenhum animal passava perto da casa, nenhum corvo, nenhum cachorro de rua, nenhum gato selvagem, nada. O castelo parecia morto por dentro e por fora. Parecia um morto muito barulhento. 

Um longo e estridente grito fez todos se alarmarem e até alguns pularam de suas cadeiras. Começou como mais um dos urros de Beatriz, porém, se estendeu e subiu e subiu até que todos pararam de respirar e se entreolharam, imaginando se finalmente a jovem e a criança haviam morrido juntos. Um segundo de silêncio, uma única respiração e um choro.
Choro de recém-nascido. 

Arthur chutou a porta do quarto e entrou como um javali avançando em uma presa até as parteiras. Elas se assustaram, olharam para o herdeiro como quem olha um animal em fúria e ele parou por um instante, procurando a criança entre aquela dúzia de mulheres. Beatriz respirava exausta. Seu rosto banhado em lágrimas, seus braços pendendo para fora da cama, imóveis, seus olhos fechados e os lábios contraídos, em pêsames. E então, Arthur localizou seu sobrinho maldito. 

- Senhor... – Disse uma das parteiras se aproximando do herdeiro, antes de ser interrompida por um empurrão brusco que a arremessou para o chão. 

Nenhuma se atreveu a ficar em seu caminho, todas correram para os cantos enquanto ele marchava em direção ao bebê. A moça que segurava o recém-nascido no colo o agarrou numa tentativa instintiva de protegê-lo, mas foi inútil. Arthur segurou o ombro da parteira com uma mão, a criança com a outra e a jogou contra a parede ao mesmo tempo que recolhia o bastardo. 

Segurou com as duas mãos a criança que chorava com a mesma potência que a sua mãe havia berrado, mas logo o afagou em seus braços tentando fazer com que ela parasse de se espernear para que pudesse observá-lo com clareza. 

- Fique quietinho, seu filho de uma puta, para que eu possa reconhecer quem foi o cão que te fez – disse Arthur com uma ternura venenosa. 

Logo a criança foi diminuindo o choro para miados e se acomodando nos braços do seu tio. O seu cabelo era excessivamente liso como o tecido mais fino de toda a Westeros e diabolicamente dourado - não muito claro, mas forte e vivo. Arthur congelou por um instante. Então, a criança lentamente abriu os olhinhos e fitou o homem que já lhe odiava antes mesmo dele ter chegado ao mundo. 

Verdes. 

A boca do herdeiro pendeu e ele deixou que seus braços caíssem, incrédulo. O bebê desabou em direção ao chão e quase se estatelou, não fosse a parteira que fora arremessada contra a parede a se jogar aos pés de Arthur e agarrar o bastardo antes que ele morresse em seus primeiros minutos de vida – e alguns viriam a dizer que ela deveria ter deixado que ele morresse ali mesmo, teria poupado a família de muitas desgraças. 

De pé, mas sem nenhuma postura, Arthur tentava organizar seus pensamentos, mas, tudo que conseguiu fazer foi pronunciar um único e odioso nome: 

- Lannister...

4 comentários:

  1. Simplesmente perfeito.
    A cada conto você está melhor.

    Parabéns Be

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  2. Um comentário interno: Esse bastardo ainda dá problemas ahahahahah

    Otimo conto. Como sempre escrevendo cada vez melhor.

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  3. Muito bom, sempre acompanho e divulgo, mas nunca comento, como sou grande fã de GoT, dessa vez tive que deixar aqui meus parabéns!
    Se não fosse soar tão clichê, gostaria de convidar-te pra ler o Básico da Autocrítica, meu blog, e me dar uma força, com qualquer crítica e opinião!

    Abraços, continue fazendo um bom trabalho!

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  4. Antonio, blog favoritado. Lerei assim que eu tiver um tempo!

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