segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

Lâmina Vermelha

Pulei para minha esquerda enquanto a lâmina afundou o chão com o seu peso. Mal tive tempo de firmar os pés no solo e me agachei para desviar do novo golpe que teria me partido ao meio. Tentei uma estocada, mas o imenso corpo girou para o lado e, por puro instinto, me joguei rolando no chão, sentindo o assobio da lâmina passando pelo ar enquanto escapava de mais um golpe mortal. Eu simplesmente não podia receber nenhum golpe de uma lâmina daquele tamanho - ela facilmente partiria meus ossos e abriria meus órgãos caso me acertasse.

Difícil de acreditar que meu adversário realmente era um humano. Seu corpo de mais de dois metros de altura era recoberto por uma armadura de placas completa, tornando invisível até seus olhos - uma arma geralmente usada em guerras, mas, muito bem aproveitada na arena pelo meu adversário. Além de alto, ele era largo como uma muralha e sua arma também surpreendia. Arma a qual ele dominava de uma forma a só me dar tempo de me esquivar, sem conseguir pensar nada além de me manter vivo. Meu escudo era inútil naquele combate, pois era evidente que se eu tentasse bloquear, meu braço seria esmigalhado junto com o metal no impacto. Por poucas vezes eu consegui atingir sua armadura, e mesmo assim, sem provocar nem um arranhão. Um inimigo realmente indestrutível.

Virei-me para meu oponente assim que terminei meu rolamento. Ele andava em minha direção apoiando a espada no ombro com uma das mãos, desleixado. Um blefe! Sua guarda estava aberta, mas sua mente já estava com o contragolpe preparado assim que eu tentasse atacar - fingi morder a isca. Investi em sua direção, sua espada se ergueu no ar e desceu com o peso de uma avalanche, como previ. Esquivei para direita, a lâmina afundou pesada no chão e eu chutei seu punho com toda força. Inútil. Desarmá-lo parecia minha única chance de vitória, mas o bastardo usava uma manopla de segurança. Ele nunca soltaria a arma. Desgraçado!

Um riso abafado pelo metal saiu de seu elmo e, com uma força descomunal, ele girou a espada em minha direção. Fui obrigado a golpear a lâmina de baixo para cima com meu escudo, na tentativa de desviá-la. Mal calculado. A lâmina atingiu meu escudo e, como esperado, estraçalhou-o. Tropecei alguns passos para trás com o impacto, tentando não tombar, sentindo meu braço latejar enquanto os restos de metal despencavam pelo chão. Parecia que um mamute havia pisoteado meu punho. Já não domava minha respiração de tão ofegante. Parecia que meu fôlego não me permitiria nada além de erguer meu escudo e minha espada. Encarei os vãos negros do visor do meu adversário.

A vida nas arenas é sempre incerta. Nossa vida pode terminar a qualquer momento, basta encontrar um adversário mais forte. O público estava em êxtase. Ausohlung, meu adversário, era o campeão daquela arena há alguns anos, o Tigre Atroz, como era conhecido. Seu povo o amava e ele defendia a honra de sua pátria e da tradição guerreira local. Eu não tinha a menor chance.

Ele ergueu sua espada em posição de lança, na altura de seu peito e veio em investida. Abaixei-me, deixando a lâmina passar por cima de mim, agarrei sua cintura e com um urro de força e ímpeto, aproveitei o impulso de meu adversário, ergui seu corpo do chão e joguei-o para trás, fazendo-o dar uma cambalhota pelo ar. Sem perder tempo, ataquei com minha espada na direção de seu elmo, mas ele bloqueou com sua arma. Antes que eu pudesse pensar em outro ataque, o maldito rolou pelo chão e se levantou, voltando à posição de guarda, dessa vez nem tão desleixado. Pelo visto, além de dominar sua arma, Ausohlung também tinha total domínio de sua armadura.

- Devo agradecer-lhe, Draco! Havia anos que eu não sentia tanta adrenalina em um combate! Ainda mais vindo de um forasteiro! Meu povo estava precisando de uma emoção como esta!

Eu ainda tentava recuperar o fôlego enquanto ouvia sua voz abafada.

– Você será eternamente lembrado em nossas histórias! Sinta-se honrado, pois meu povo jamais se esquecerá da batalha entre Ausohlung, o Tigre Atroz, e Draco!!! O imortal campeão de Gorgomok e aquele que foi digno de morrer em suas mãos!!

Ausohlung levantou sua espada com as duas mãos sobre os ombros, pronto para descê-la e partir-me ao meio. E então, eu não sei o que houve, mas minha mão agarrou firme minha espada, minhas pernas pegaram impulso, senti meus olhos queimando em ódio, minha mente focada em vencer, meu espírito dominado por frenesi. Meus braços arderam como brasas e minha espada ferveu como magma. E, naquele instante, a única coisa que eu não senti, que pareceu sumir em vácuo, foi meu coração.

Um único corte. De baixo para cima, em um ângulo diagonal da esquerda para direita. Meu corpo girou, meu braço acompanhou o movimento, minha lâmina golpeou e a muralha de aço foi aberta. Estilhaços de metal voaram pela arena,o sangue pintou a mim e ao chão de rubro e o corpo de metal caiu para trás.

O público ficou atônito. Seu campeão havia sido derrotado. Um estrangeiro se mostrou superior em combate. Eu respirei fundo, senti como se o ar trouxesse de volta minha consciência e ouvi os aplausos. Alguns ainda confusos, outros eufóricos, uns gritando ofensas e ameaças. Mas o povo de Gorgomok amava a batalha acima de tudo e aquela havia sido uma grande batalha. Os aplausos dominaram a arena como uma onda que só revela seu real tamanho à beira da praia ao ponto de tornarem-se ensurdecedores.

Por um instante questionei-me se realmente havia sido eu a desferir o golpe final. Talvez fosse confortante duvidar de que havia sido por tamanha violência e tamanho ódio que houve naquele desfecho. Mas não havia como negar, fui eu. Por mais que não tivesse explicação para aquilo, havia sido eu. Naquele momento que talvez mal tenha durado um segundo, eu odiei, eu ataquei e eu venci a batalha. Nada, nem ninguém, agiu por mim. O mérito daquela vitória e de todo o sangue derramado era meu.

Por que viver pela espada? O que significa ser um guerreiro legítimo? Vencer? Proteger? Atacar? Aperfeiçoar? Honrar? Vingar? Buscar? Destruir? Onde será que encontrarei minhas respostas? Quando será que encontrarei um adversário mais forte do que eu? E quando encontrá-lo, conseguirei superá-lo? Morrerei tentando? Vivendo ou morrendo... Encontrarei minhas respostas?

Meu prêmio me aguardava no centro da arena: uma espada encravada numa pedra, bem ao estilo dos menestréis. Uma bela arma, a empunhadura tinha o espaço preciso entre o pomo e a guarda para caber uma mão e sobrar um pouco para o manuseio, a guarda de aço ornamentada com fios em relevo, o pomo arredondado com o peso certo para contrabalancear a lâmina, que por sua vez, era reta, com dois gumes, pontuda e rubra - cor obtida através da magia que encantou a arma, um técnica conhecida apenas em Gorgomock -, um prêmio realmente magnífico. Todo ano uma nova arma era forjada e disposta como prêmio do torneio. Ausohlung colecionava as espadas, machados, lanças e martelos que já haviam sido ofertadas ao campeão anteriormente, mas, a deste ano pertencia a mim. Retirei a espada da pedra e a platéia foi ao júbilo.

Mais um reino visitado. Algumas batalhas vencidas. Mais uma grande vitória em minha carreira. Mais uma vitória em minha vida. E a certeza de que ainda havia muita estrada para percorrer. O sol se pôs em Gorgomok, o povo festejou até esgotar todo o dinheiro das apostas... E um guerreiro se preparou para próxima viagem.

2 comentários:

  1. Mais uma vez parabéns.
    Incrível como teus contos, sempre conseguem me transportar para dentro deles. Me senti aflita na pele de Draco, me senti poderosa como Ausohlung, me senti eufórica assim como o público de Gorgomok. Por fim, me senti extasiada com o triunfo improvável de Draco.
    Por isso, tenho de dizer-te novamente que tens talento e que eu realmente o aprecio muito.

    Beijos.

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  2. Cara, gostei muito de como essa história já começa com ação, e da ideia de transformar um único combate de arena em um conto.

    Pessoalmente eu mudaria uma coisinha ou outra (será que todo mundo sabe o que é uma manopla de segurança?)e achei a parte em que o Draco se questiona meio que filosofia de personagem de Dragonball Z.

    Mas, tirando isso, sem muito mais mimimi, bem divertido.

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