sexta-feira, 27 de abril de 2012

1 – Galwin


- Bastardo!

Em tempos de guerra, há muita ascensão e muita morte. Patrulheiros da cidade podem virar heróis de uma nação e aldeões pacatos podem dar um último beijo nos filhos e marcharem em direção à guerra. Entretanto, além dessas vítimas da fortuna, há aqueles que nasceram para a guerra. Para esses, não é uma questão de sorte ou oportunidade. É meramente seu destino se cumprindo.

Galwin Snow, o bastardo da família Bjorn, ouviu claramente o chamado de seu sargento, Frederick. Apesar de jovem e sem nenhum título de nobreza, o recém empossado sargento já demonstrava grande soberba. Era filho de Anthony, um dos capitães e conselheiros de guerra de lorde Arthur Bjorn, e clamava para a prosperidade de seu patrono, para que seu nome também prosperasse e, quem sabe, adquirisse o título de "sor".

- Estou falando com você, bastardo!

Frederick gritou pelo seu subordinado de longe, para que todos vissem a cena. Galwin, à princípio, continuou selando o cavalo de viagem do capitão Anthony, conforme seu tio, Arthur, havia ordenado. Quando o jovem sargento se aproximou, Galwin interrompeu seus afazeres e se virou para seu comandante, mas ele não abaixou o tom de voz.

- Você é a prova viva de que todos os bastardos são incompetentes, sabia?!

Galwin não reagiu.

- É incapaz de cumprir uma ordem simples, bastardo! Por que não preparou a minha mochila e a minha algibeira e não poliu minha armadura, como ordenado?

- Porque não sou seu escudeiro - Galwin respondeu, meio justificando, meio afrontando.

- Como ousa?!

Frederick desferiu um soco no estômago de Galwin que acertou-lhe em cheio. Talvez ele acreditasse que seu soldado não fosse reagir e aceitaria a humilhação, mas não houve nem tempo para pensar. Galwin ergueu seu braço e acertou um cruzado no rosto do sargento. Frederick deu um passo para trás, incrédulo pela reação do bastardo, o que deu oportunidade de receber mais um soco no rosto. Antes que o terceiro golpe viesse, a escaramuça foi interrompida.

- Vocês dois perderam o juízo!? - Era sorArthur Bjorn.

Naquele momento, todo o pátio do quartel de guerra prestava atenção nos dois jovens, porém, quando o patrono se fez notar, todos sentiram um frio no umbigo, como se a neve do norte tomasse posse de seus corpos. Resoluto e obstinado, Arthur estava a vinte metros dos dois e não se deu o trabalho de andar até eles. Sua reprovação era tão evidente quanto o frio.

- Um sargento patético e um soldado patético!

Frederick estava morrendo de medo. Poucas vezes tivera contato com Lorde Bjorn, fazia poucas semanas que fora nomeado e já decepcionara seu suserano. Galwin manteve a expressão séria enquanto ouvia seu tio. Como bastardo, nunca precisou fazer nada para desapontar ninguém, só o fato de ser quem era já contava como decepção. Logo, qualquer juízo de valor negativo a seu respeito já era cotidiano e não o perturbava.

- Não sei o que é pior, um sargento que trata seu soldado como capacho, um soldado que não obedece ao sargento ou as duas criancinhas trocando soquinhos em pleno pátio do quartel!

Anthony estava ao lado de Arthur, inexpressivo. Por dentro, temia pelo filho, mas não havia nada a se fazer, apenas concordar com qualquer decisão de seu patrono.

- Diga-me, Frederick, já viu Galwin lutando?

O medo inibiu qualquer resposta.

- Responda-me!

O mediu impeliu uma resposta.

- S, s, senhor, eu não...

- Não perguntei nada ao seu respeito! Perguntei sobre Galwin! Vejo que subestima seus homens, sargento.

Apenas medo.

- Galwin, perdeu a cabeça? Quem foi o mestre de armas que te ensinou a levantar a mão contra seu sargento?

- Victor foi meu mestre de armas e ele não me ensinou a levantar a mão contra nenhum sargento, mas também não me ensinou a apanhar calado.

- E se eu julgar que você merece uma surra pela sua indisciplina, levantaria a mão contra mim também?

- Não, pois seu julgamento seria justo, diferente do de Frederick.

Alguns juraram que Galwin realmente levaria uma surra naquele momento, porém, suas respostas pareceram aprovadas por Arthur.

- Peguem espadas de madeiras - ordenou Arthur.

- Senhor? - Frederick estava confuso.

- Querem brigar, não querem? Então, brigarão como homens, mas sem sangue no meu pátio. Peguem as espadas e resolvam suas diferenças, é uma ordem.

Anthony engoliu seco. Prontamente, um dos soldados do batalhão de Frederick estendeu uma das armas de treino para o sargento que a pegou e se virou para seu rival. Galwin já estava preparado, pegara uma espada qualquer no momento em que sor Bjorn ordenara. O patrono estava impassível.

- Quero fazer isso a muito tempo, bastardo.

A bravata de Frederick foi respondida por um golpe vertical da esquerda para a direita. Ele mal teve tempo para bloquear o ataque e Galwin desferiu outro golpe vertical no sentido contrário. O sargento defendeu desengonçado, mais por sorte do que por técnica, pois ainda não havia se recuperado da ofensiva inesperada de seu subordinado e um terceiro ataque acertou sua canela, fazendo sua perna doer e lajetar. Galwin deu três passos de distância e preparou a espada em guarda.

Frederick avançou e tentou alguns golpes que até eram bons, mas que Galwin bloqueou sem dificuldades. O que o sargento não havia reparado era: Galwin era canhoto e todos os seus movimentos eram invertidos. O bastardo, por sua vez, já estava mais do que acostumado a enfrentar oponentes destros. Frederick insistiu nos ataques, até que seu rival aproveitou sua guarda aberta e socou seu abdômen, fazendo-o se curvar de dor.
Uma joelhada violenta acertou seu queixo e ele tropeçou para trás, caindo sentado na neve. A expressão de Galwin não mudara nada, permanecia séria e fechada desde que falara com Arthur. Frederick percebeu que estava perdendo.

Sem se levantar, o sargento chutou o joelho de Galwin, forçando-o a se ajoelhar de dor e desequilíbrio. Frederick aproveitou e acertou outro chute, dessa vez, no rosto do seu subordinado, jogando-o para o solo. Sem perder tempo, levantou e atacou Galwin. Para a frustração do sargento, o bastardo já não estava desprevenido e bloqueou o ataque com sua espada de madeira.
Frederick preparou um segundo ataque, mas antes que se concluísse, Galwin rolou para a esquerda e saltou, erguendo-se novamente. Logo que ficou de pé, se esquivou para trás, pois o sargento já golpeava seu rival impiedosamente. Galwin evitou alguns ataques até que Frederick vacilou e abriu espaço para um contra-golpe.

- Sabe de uma coisa, sargento? Você devia voltar a ter umas aulas com o mestre de armas - Galwin declarou seu cansaço pela escaramuça.

O bastardo acertou uma espadada violenta no punho de Frederick que teria decepado sua mão caso as armas fossem de verdade - em vez disso, torceu o membro num ângulo doloroso, evidentemente fraturado. O sargento gritou de dor e largou a espada, mas Galwin não estava satisfeito. Cruelmente, desferiu um golpe horizontal, de baixo para cima, na virilha do seu oponente, que fez todos os espectadores virarem o rosto da cena, apiedados. Mas, ainda houve tempo para um ultimo golpe: Galwin ergueu sua espada e estocou contra o rosto de Frederick, afundando o seu nariz para dentro de sua face.

Havia sangue no pátio.

Todos estavam horrorizados com a consequência do combate. Já não era esperado que o bastardo loiro de olhos verdes derrotasse seu sargento, mas sua brutalidade foi ainda mais surpreendente. Após o espetáculo, quando cada espectador se convenceu de que Galwin Snow realmente derrotara Frederick, todos olharam para sor Arthur Bjorn, aguardando um veredicto. E ele continuava impassível.

- Frederick - ele começou, apesar do sargento parecer estar alucinado de dor, rolando pela neve -, parece que levará alguns meses para poder voltar a lutar, logo, está desempossado de seu cargo.

Muitos ficaram incrédulos.

- Galwin Snow - Arthur fez uma pausa, após soletrar o nome de seu sobrinho bastardo -, poucos soldados lutam como você e isso é de se admirar. Você acabou de ser elevado a sargento e está responsável pela tropa que estava sob o comando de Frederick. Parabéns.

O patrono deu meia volta, mas, antes de se retirar, falou para só Anthony ouvir.

- Esse é o preço por subestimar um soldado.

E marchou para seus aposentos.

4 comentários:

  1. É bem a cara do seu personagem mesmo.

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  2. Eu corro o risco de ser repetitiva....
    Muito bom, como te disse, a cada dia tu estais ficando melhor nisso. Adorei o Galwin...tem toda a brutalidade que eu já esperava encontrar.
    Enfim bom 'a lot'.

    beijos Be.

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  3. Hehe, devo esse personagem graças à você, Professor, espero honrar a imagem de Arthur Bjorn, diga-se de passagem.

    Paula, obrigado pela força que você sempre me dá! Obrigado mesmo!

    Jhonnatan, fico lisonjeado! Espero que goste do capítulo 2 que já está no ar e dos próximos que virão.

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